ENTREVISTA: Autor usa cenário BR para construir thriller psicológico

 Brutalidade, silêncio e lealdade: os bastidores de Os Monstros do Rio das Mortes

Advogado e escritor Davi Isaias transforma experiência jurídica em ficção e investiga os limites da amizade em meio a tragédia e tensão

O que começa como uma pescaria entre amigos logo ganha contornos sombrios, carregados de tensão, julgamento e segredos. Em Os Monstros do Rio das MortesDavi Isaias conduz o leitor por duas narrativas que se entrelaçam: de um lado, um grupo de amigos acusado de homicídio após o corpo de um deles ser mantido congelado no mato; de outro, o depoimento de um presidiário que assume a culpa por um assassinato que não cometeu. As histórias, ambientadas em diferentes cenários — natureza e presídio —, se conectam pelas fragilidades humanas e pela crueza dos vínculos de lealdade.

Advogado com especialização em Direito Penal, ex-vice-prefeito de Inhumas (GO) e autor de livros de diversos gêneros, Davi explora em seu romance os contrastes entre liberdade e prisão, civilidade e instinto, leveza e brutalidade. A partir da experiência profissional e de uma escrita que transita entre drama, ironia e crítica social, ele nos convida a refletir sobre culpa, julgamento e os monstros — reais ou simbólicos — que habitam as relações humanas. Nesta entrevista, o autor comenta suas inspirações, o impacto da vida jurídica sobre a literatura e o que espera provocar no leitor.

  1. O seu livro revela como ambientes tão distintos — o presídio e a natureza — podem ser igualmente brutais. De onde veio essa inspiração para mostrar essa dualidade?

R: Sempre convivi com a natureza, pescando ou convivendo no campo. Meu primeiro emprego formal foi como professor de uma escola da zona rural. O ambiente natural me fascina. Daí a primeira parte do livro. O incidente que ocorreu no passeio não deve ser atribuído à natureza, mas a um fato fortuito que poderia ter ocorrido em qualquer lugar. Quanto ao presídio, realmente o ambiente é brutal. Para sobreviver em seu meio tem que ser esperto e corajoso. Não há lugar para os bonzinhos. A investigação, o julgamento, a prisão, são frutos de minha experiência como advogado criminalista. É a arte imitando a vida.

  1. A amizade masculina, com seus pactos silenciosos e lealdades extremas, é um dos temas centrais da obra. Como foi explorar esses vínculos e suas consequências na trama?

R: Nesse aspecto, creio se tratar de interpretação do leitor qualificado, que sabe extrair da obra além do que é aparente. O desenrolar foi natural, sem qualquer pretensão de explicação mais profunda.

  1. O título do livro sugere monstros escondidos — e não apenas no cenário físico. Que tipo de "monstro interior" você acredita que a história mais evidencia?

R: Creio eu que depende mais do leitor do que do autor. É questão de mera interpretação. Cada um retira do texto segundo seu grau de entendimento e sensibilidade. A obra só é do autor até ser publicada. Daí em diante pertence ao público que pode consumi-la como entender melhor. Teve um leitor que entendeu que eles realmente cometeram o crime de homicídio. Não o concordei nem o contestei. É a interpretação dele. Capitu traiu bentinho no romance Dom Casmurro de Machado de Assis? Depende do leitor.

  1. Como advogado com experiência em Direito Penal, de que forma sua vivência profissional influenciou na construção das tramas criminais e nos dilemas morais dos personagens?

R: Todo escritor traz para sua obra sua experiência pessoal. Pode ser profissional, convivência social ou observação. Comigo não foi diferente. Minha experiência no Tribunal Popular do Júri evidentemente que me proporciona falar dos fatos com conhecimento de causa.

  1. A obra passa por tons de comédia, drama e tensão. Como você equilibrou esses elementos para manter o leitor imerso em uma história que oscila entre leveza e profundidade?

R: O texto desenrolou-se naturalmente. Leveza fica pela primeira parte, a pescaria que é sempre um momento de paz, alegria. A segunda e terceira parte, investigação policial, julgamento são naturalmente mais tensos, onde paira sempre o temor por uma condenação. O medo de acabar os dias de vida em uma prisão. O desconhecido para quem nunca passou por isso. Quanto ao humor, faz parte de minha personalidade. Sou uma pessoa bem-humorada.

  1. Em meio a tantos dilemas morais, o que você espera que o leitor leve como principal reflexão após a leitura de Os Monstros do Rio das Mortes?

R: Vivemos um momento de muita intolerância na convivência política, religiosa e social. Qualquer divergência serve para gerar uma contenda desproporcional. Os desiguais não conseguem viver juntos. A desigualdade social que é brutal e enorme, leva à violência, que, por sua vez, conduz ao punitivismo. Hoje, estamos vivendo um ambiente muito inseguro. As pessoas no geral e até mesmo as autoridades enxergam no agravamento da pena, na prisão e na morte do infrator, a solução para o problema. É uma maneira simplista de interpretar o momento social que vivemos. O Brasil é um dos países que mais prende, mata e a violência só aumenta. Portanto, a solução não é esta. É preciso investir na diminuição das desigualdades sociais. É preciso proporcionar oportunidades para todos. Com o avanço das mídias sociais, com o uso indevido, muitos cidadãos já vão para o julgamento previamente condenados. O que eu espero com meu livro é contribuir com essa discussão. Termos uma visão mais humana dos conflitos entre as pessoas.

Sobre o autor: Davi Isaias é advogado formado pela Universidade Federal de Goiás, com especialidade em Direito Penal. Ele foi presidente da Subseção da OAB por três mandatos. Foi vice-prefeito, por dois mandados, de Inhumas, em Goiás. Além de Os monstros do rio das mortes, publicou outros livros: “Cleide Campos, homenagem à sua falecida esposa”; “Contagem Regressiva, contos”; “Crônicas da Goiabeira I” e “Crônicas da Goiabeira II”. Já as obras infantis são “Lucas, o caçador de onça”, “A rã que comia cobra” e “Cricri, um periquito de sorte”, e infantojuvenil “Natal era bom demais” (digital).


Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.