Entrevista: Deboche, folclore e tragédia marcam romance
Tragédia, deboche e crítica social: os bastidores de Espíritos Vadios
Em seu romance de estreia, André L. Nakamura mescla elementos do folclore nordestino, personagens amorais e uma estrutura não linear para satirizar o poder e suas distorções
Ambientado em cidades fictícias da Paraíba, Espíritos Vadios é um romance ousado que mistura drama, humor ácido e crítica social em uma trama sem mocinhos nem vilões. Na obra, o autor André L. Nakamura constrói um mosaico de personagens — de hackers a coronéis — mergulhados em corrupção, chantagens e jogos de poder, sempre com um olhar irônico sobre a moralidade.
Nesta entrevista, o autor fala sobre suas referências literárias, a escolha do cenário nordestino e a transição entre sua carreira no serviço público e a ficção. Com influências que vão de Jorge Amado a Cassiano Gabus Mendes, Nakamura comenta ainda a ambiguidade ética dos personagens e a liberdade criativa que encontrou ao romper com as estruturas narrativas convencionais.
1. Quais foram as principais inspirações — literárias ou pessoais — para criar o universo de Espíritos Vadios?
André Nakamura: As principais influências literárias são Jorge Amado, Aluísio Azevedo e Machado de Assis; as da cultura de massa, Dias Gomes, Cassiano Gabus Mendes e Sílvio de Abreu. Todos eles, mestres do deboche, cada um a seu estilo. Os personagens do livro são divertidos Frankesteins, formados por partes interessantes de pessoas que eu fui e de pessoas que conheci.
2. O livro tem uma estrutura não linear, com muitos personagens e tramas paralelas. Como foi o processo de construção dessa narrativa?
A.N.: Nossos pensamentos, lembranças, são instáveis, vão e voltam para momentos do passado, desordenadamente. O objetivo é também surpreender, mostrando, no início, situações do passado em que alguns personagens parecem comuns, e, depois, momentos em que eles revelam o quanto são capazes de fazer. São muitos personagens, mas todos eles se encontram, de algum modo, no decorrer da trama. A narrativa fica linear no final da trilogia.
Você escolheu ambientar a história em cidades fictícias da Paraíba. Por que essa localização e o que ela representa dentro da trama?
A.N.: A história da Paraíba é marcada pela passagem de coronéis e cangaceiros. Lá existem fascinantes paisagens, como o extremo leste do Brasil e a Hollywood brasileira (Cabaceiras, PB). Clássicas são as expressões “paraíba masculina”, “mulher macho”. Encontramos poderosas mulheres entre as personagens do livro.
Espíritos Vadios propõe uma crítica social sem mocinhos nem vilões. Qual a sua visão sobre a ambiguidade moral dos personagens?
A.N.: Costumo dizer que somos vilões e heróis, em diferentes intensidades, dependendo das circunstâncias. Entre a moralidade e a imoralidade existe uma nebulosa fronteira; transitamos de uma para outra, às vezes sem perceber. Preto e branco são cores neutras. O cinza, também. O bom humor e o riso são coloridos.
Como foi transitar da sua carreira no serviço público para a literatura de ficção? Houve algum desafio específico nesse processo criativo?
A.N.: Sempre trabalhei com textos, como advogado, jornalista e folclorista. Eram textos técnicos. Foi desafiador me aventurar na ficção, mas também muito gratificante. Reescrevendo cenas, me peguei gargalhando. Dizem que elogio em boca própria é injúria, só que a autoestima exagerada afeta positivamente a química cerebral.
Sobre o autor: André Luiz Nakamura, advogado, ex-procurador jurídico da Prefeitura de Olímpia/SP, com mais de 20 anos de experiência no serviço público, é formado em Jornalismo, Letras e Publicidade, experiências que se refletem na riqueza de diálogos e nas complexidades de suas obras. Ao longo da carreira, também foi Coordenador Geral do Setor de Folclore e Diretor Executivo do Anuário de Folclore de Olímpia, onde publicou diversos artigos sobre cultura popular. A trilogia Espíritos Vadios marca sua estreia na literatura.
Instagram do autor: @andreluiznakamuraadv
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