Resenha: Um amor de filha - Hanaide Kalaigian
SINOPSE Descendente de armênios, Meliné cumpriu todas as expectativas ancestralmente depositadas nela: casou-se com Zohrab, cuidou da casa e da filha, Aline, honrou e frequentou a família, os eventos, as práticas.Um dia, em um telefonema, uma notícia invade seu mundo na frequência de um abalo sísmico. Incapaz de lidar com a mudança, Meliné mergulha em suas origens procurando se abrigar nas lembranças e particularidades da cultura armênia – costumes, uma língua própria, os pratos típicos da culinária – e nas vozes das mulheres, todas como ela.Nesse processo, vive a delicada tensão entre submeter-se ou libertar-se de uma tradição que oprime, mas também acolhe; que amarra, mas também afaga; que protege, mas também limita.Em Um amor de filha, Meliné compartilha protagonismo com a saga de sua família e as tradições da comunidade armênia. Assim, abre espaço para pensarmos a relação entre mãe e filha e a condição feminina. Tudo isso a partir de um ponto de vista até agora pouco explorado na literatura brasileira.
Páginas: 144
Lançamento: Maio de 2023.
Editora: Autêntica contemporânea.
Livro de estreia da Hanaide Kalaigian
Iniciei a leitura de Um Amor de Filha sem muitas expectativas, mas, a cada página lida, meu interesse crescia de forma irresistível, chegando ao ponto em que não conseguia mais largar o livro.
Essa obra se tornou meu xodó, pois gostei muito da história e das personagens. Apesar de lidar com drama familiar e a relação mãe-filha, houve um aspecto que não me agradou, devido às memórias desconfortáveis que despertou. No entanto, mesmo me sentindo desconfortável, continuei a leitura, pois precisava saber como tudo iria terminar.
A escrita da autora é envolvente, com um ritmo agradável, e os acontecimentos mantiveram minha atenção ao longo de toda a narrativa. Em nenhum momento senti que a leitura ficou monótona; pelo contrário, a cada nova página, um novo drama surgia. Além disso, a autora traz curiosidades e costumes interessantes da comunidade armênia, o que enriqueceu ainda mais a história. Sou fascinada por aprender sobre novas culturas, e neste livro pude observar de perto o papel da mulher nessa sociedade.
Acompanhar a jornada de Meliné e sua relação com sua filha Aline foi como ver um reflexo da minha própria relação com minha mãe. Seu ciúme quando comecei a namorar, sua preocupação em preservar minha reputação, suas vontades – parecia que a autora conhecia minha mãe. Foi assustador perceber tantas semelhanças.
A leitura deste livro despertou em mim diversos sentimentos, além de me proporcionar um conhecimento mais profundo sobre um povo e sua cultura da qual eu não tinha muito conhecimento. Apreciei a oportunidade de aprender sobre seus costumes, culinária, história, música e aspectos sociais e políticos. Além da relação entre mãe e filha, o livro destaca a tentativa da família da protagonista de manter suas tradições em um país diferente, oferecendo um vislumbre do comportamento das mulheres na cultura armênia. Esse tema me interessa muito, pois gosto de conhecer a vida de mulheres em diferentes culturas, e pude identificar algumas semelhanças entre nós.
Fiquei surpreendida ao descobrir que este é o livro de estreia da autora, pois sua escrita é rica em detalhes, fluída e, ao mesmo tempo, angustiante. A angústia se intensifica no meio do livro, quando a doença de Meliné é abordada com descrições vívidas e sintomas dolorosos. Novamente, me vi lembrando da minha mãe e de sua própria luta contra uma doença semelhante. Naquela época, fiquei ao seu lado, sofrendo ao vê-la passar por tantas coisas dolorosas. No caso deste livro, pude experimentar esses momentos sob uma perspectiva diferente, como se estivesse na pele da minha mãe. Por isso, considero essa parte da narrativa angustiante. A história é contada em primeira pessoa, o que me fez sentir parte da experiência em vez de ser apenas uma observadora. Durante a leitura, me questionei várias vezes sobre a força e a coragem da minha mãe para enfrentar tudo aquilo. Como podem notar, a história me trouxe uma visão diferente de tudo que minha mãe e Meliné passaram.
Normalmente, evito histórias que envolvam doenças terminais, então foi uma surpresa encontrar esse tema em Um Amor de Filha. Pensei em abandonar a leitura, mas a narrativa estava tão bem elaborada e descrita que respirei fundo e continuei. Não me arrependo de enfrentar esse gatilho, mesmo que tenha sido doloroso.
O desfecho do livro foi abrupto, pois o final é o clímax da história. Ao ler a última página, fiquei em silêncio, demorei alguns minutos para compreender que não havia mais nada, que aquele era o fim. Ainda estou perplexa. Sinto que deixei algo escapar, que não conectei todos os pontos (e olha que sou leitora beta e crítica; meu trabalho é justamente identificar todos os fatos de uma história, encontrar erros de continuidade etc.). Ainda não tenho certeza se entendi completamente o final, se foi o fim da protagonista ou o início da descoberta de sua condição. A alternância entre presente e passado ao longo da história torna difícil determinar se o final foi apenas uma lembrança ou se aconteceu no presente.
Isso está me incomodando até agora, enquanto escrevo esta resenha. Creio que em breve precisarei reler para, de fato, compreender esse final. É necessário, porque, se não, ficarei com essa pulga atrás da orelha pelo restante do ano.
Apesar de a história ter se tornado meu xodó e de ter entrado para meus favoritos de 2023, há algumas coisas que me incomodaram, e não vou citar a questão da doença, porque, no caso dessa leitura, creio que esse detalhe deixou tudo mais real.
Meu questionamento é mais sobre a parte da diagramação. Lembrando que li o livro na versão e-book, cedido pela Biblioteca Digital de São Paulo (Biblion). A edição física, de acordo com a Amazon, possui 144 páginas. Então, o livro se trata de um romance; porém, ele não possui capítulos, sendo narrado em um único fôlego. A sensação que me deu é de estar no ateliê da Meliné, conversando com ela em uma tarde ensolarada, tomando um café.
Como a leitura foi realizada um pouco antes de eu dormir, senti falta de um respiro, um capítulo. Como leitora, gosto de pausar a leitura no final de um capítulo para iniciar o próximo; é algo pessoal, então não ter capítulos, não ter um suspiro, me incomodou um pouco.
Outro ponto que talvez tenha contribuído para essa sensação de não ter certeza se o final é uma lembrança ou o presente é que essas variações entre passado e presente foram feitas de forma muito sutil, usando apenas a escrita. Talvez, se a diagramação acompanhasse essa mudança, alterando a fonte quando Meliné falasse no passado, teria ficado melhor.
Mas deixo claro que isso é uma experiência pessoal.
Para finalizar, gostaria de mencionar a capa deste livro, que é simplesmente linda. Foi por causa dela que a história me conquistou logo de início, sem eu saber nada sobre o conteúdo. O tom inicial, com o simples ato do telefone tocar logo após o jantar e Meliné estranhar, trouxe à tona uma memória pessoal: minha mãe, dona Fátima, também não gostava de telefone tocando, especialmente à noite. Essa nostalgia, essa lembrança, foi o que me prendeu à leitura desde o começo.
Como podem notar, essa leitura me pegou pelo emocional. Foi uma verdadeira viagem não só na cultura armênia e na relação entre mãe e filha, mas também nas minhas próprias lembranças.
Eu poderia trazer aqui outros temas que a autora aborda, como, por exemplo, o final de um casamento, a história de uma esposa enganada por tantos anos e como isso a destrói. Mas a minha experiência literária me conduziu por um outro caminho; por isso, me mantive apenas em uma linha de raciocínio. Mas saiba que essa narrativa possui muitos pontos interessantes e várias pautas.
Uma experiência gratificante. Tenho certeza absoluta de que Um Amor de Filha ficará em minha memória por muitos e muitos anos.
Hanaide Kalaigian
Hanaide Kalaigian nasceu em São Paulo, em 1962. Formada em desenho industrial e psicologia, Um Amor de Filha é seu primeiro romance
Adquira seu exemplar.
Nenhum comentário: