Um resgate da nossa História! Resenha: Entre as chamas, sob a água


Sinopse: De forma pouco usual, R.Colini retrata o conflito mais sangrento da história do país por meio de um jovem oficial do Exército Brasileiro.
Enquanto se dirige ao cenário da guerra, ele marcha e canta entusiasmado com a missão que deveria cumprir: exterminar os selvagens, fanáticos e inimigos da pátria, que desafiavam a República. Era assim que pensava o país inteiro.
Mas as coisas não acontecem como ele esperava. A desorganização e o caos reinante no exército e o contato cada vez mais próximo com os jagunços o faz conhecer dois mundos que se aproximam
de forma dramática. Imerso em realidades completamente opostas, ele terá um sonho revelador e se aproximará de Auxiliadora, com quem irá viver um amor tão grande quanto breve.
Canudos é uma parte da história do país que não deve ser esquecida e diante da qual não podemos ficar mudos. R.Colini nos faz lembrar.


Editora: ‎ Editora Labrador (22 novembro 2022)

Idioma: ‎ Português

Número de páginas: ‎ 167 páginas

Alerta de Gatilho: tortura entre outros.



É a segunda leitura que faço deste autor maravilhoso, R. Collini, enquanto no primeiro livro, 'A curva do rio', nos é apresentada a história de uma jovem em busca do pai. Já em 'Entre as chamas, sob a água', temos uma história que, infelizmente, é frequentemente esquecida. Trata-se da história de Canudos, também conhecida como Guerra de Canudos, um conflito armado que se desenrolou entre 1896 e 1897, no nordeste do Brasil. O embate envolveu o arraial de Canudos, liderado por Antônio Conselheiro, e o governo republicano, culminando em uma série de batalhas violentas que resultaram na destruição do arraial.

No entanto, o livro traz em suas páginas, sob a perspectiva de Ulisses, ou melhor, Chico Mudim, um soldado que inicialmente alinha-se ao Governo. Essa abordagem oferece uma visão mais intimista, assemelhando-se a um diário, por meio do qual somos imersos nos odores da guerra, nas dores e nas feridas físicas, psicológicas e mentais daqueles envolvidos na batalha. Em uma guerra, todos sofrem, sejam o povo comum ou os soldados, que frequentemente não compreendem nem o motivo pelo qual estão lutando.

Como leitora, mergulhei na pele de Chico Mudim, vivenciando suas experiências, seus receios e suas angústias, ao mesmo tempo que percebia sua gradual insensibilidade emocional. Com o tempo, ele deixa de sentir, passando a existir como se fosse um morto-vivo, vivendo um dia de cada vez. Os capítulos, embora curtos, frequentemente se mostram difíceis de digerir devido à linguagem crua e direta utilizada por R. Collini. Por meio das palavras, o autor retrata o terror de estar na batalha, independentemente do lado em que se encontra.

Reservando-me de fornecer mais pormenores acerca do enredo, dado que o livro é narrado em primeira pessoa, seguindo uma abordagem confessional na qual cada detalhe poderia revelar informações sensíveis, gostaria de frisar um alerta. Apesar da fluidez na leitura, existem situações que podem desencadear respostas emocionais intensas. O autor empenha-se na descrição dos eventos, indo além do superficial.

Por diversas vezes, senti a necessidade de inspirar profundamente antes de prosseguir na leitura. A minha sensibilidade perante certos cenários tornou-se aparente, e isso se intensifica pelo fato de o cenário ser de guerra e, principalmente, devido à narrativa em primeira pessoa, que torna a experiência extremamente palpável. O autor não economiza na elaboração dos detalhes; o cheiro da guerra, da morte e da carnificina presentes nas batalhas é vividamente transmitido. Para além disso, o aspecto psicológico do protagonista, sua gradual anestesia emocional, é acompanhado com profundidade. Testemunhamos a desconstrução dos sentimentos de Chico, que inicialmente ansiava por aplicar anos de estudo, mas ao chegar ao local, confronta-se com a dura realidade do dia a dia, desfazendo-se o encanto inicial ao perceber que a realidade é muito mais crua do que imaginava, muito diferente.  

Afinal de contas, ainda que Canudos acabe sem que eu morra, mesmo se eu não tivesse vivido entre os dois lados da guerra, sinto que minha vontade de fuga não é vontade de regresso, porque não gostaria de ver mais ninguém, não gostaria de encontrar meu pai, que saberia, no momento em que chegasse, que eu estaria destituído de ilusões e que o filho que partiu não é o mesmo que retorna. Não é vergonha, não é culpa, não é arrependimento; é ausência devontade de estar entre humanos,é a alma que se foi, farta do que viu.
(Entre as Chamas, Sob a Água, p. 52)


Este romance histórico resgata um fragmento da história de Canudos, uma parte lamentavelmente esquecida. Durante um encontro no qual o grupo da LC participou, o próprio autor mencionou as dificuldades de obter informações para a obra. Ficou a sensação de que a elite do poder prefere relegar essa história ao esquecimento, como forma de evitar que ela se repita. Mas ainda bem que temos escritores que buscam resgatar a nossa História, através da literatura. 

Gostaria de enfatizar a exuberância desse exemplar. O livro não apenas apresenta uma escrita primorosa, mas também se destaca pela cuidadosa diagramação e pela beleza de sua capa, transformando-o em uma verdadeira obra de arte. Meus sinceros parabéns ao autor por sua realização e à editora por esse feito.

Ficarei atenta aos próximos lançamentos desse autor que conquistou uma nova fã. Achei extremamente cativante a sua maneira de escrever, que combina uma profundidade intimista com um ritmo envolvente que, no final das contas, nos deixa ansiando por mais.


SOBRE O AUTOR


Roosevelt Colini

Colini é um escritor que andou fazendo outras coisas por 30 anos e que faz agora meio século de idade. Quando o vagalhão de 1968 acabava de deixar suas últimas espumas na praia e recuava com força ao mar, arrastando aquela geração de volta para as utopias irrealizadas e deixando o cheiro de maresia e AIDS na década de 1980, Colini participou da última leva do movimento estudantil não-profissionalizado. Depois, foi jornalista por dois anos na Folha de S. Paulo e então decidiu batalhar grana virando empresário. Estudou Filosofia e Ciências Sociais na USP, mas não conclui nenhum dos cursos. Escalou dois dos sete cumes mais altos dos continentes: Elbrus e Kilimanjaro. Montou uma operadora de telecomunicações, mas há três anos, delegou a gestão da empresa. Escreveu três romances e dezenas de contos. Daqui para frente, sua vida será focada na escrita.

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