Avisos de Gatilho na Literatura: Qual é o Papel Deles?

Imagem de Jill Wellington por Pixabay

E é um tema bastante recorrente no meio literário: para que servem os alertas de gatilho? Por que um autor deve adotar essa prática? Isso é censura? Alerta de gatilho é para cinema e não para literatura! E os questionamentos não param por aí.


Esses questionamentos surgem porque os alertas de gatilho são algo relativamente "novo" no meio literário. Estamos mais acostumados a vê-los na televisão, no cinema, em séries. No entanto, de acordo com uma postagem do BuzzFeed News (2014), "os avisos de gatilho surgiram no final dos anos 1990 em comunidades feministas online, com o objetivo de alertar sobre conteúdos sensíveis relacionados a traumas e criar ambientes mais seguros."


Essa prática só ganhou espaço na literatura muito tempo depois, acompanhando o crescimento das discussões sobre saúde mental, mas realmente explodiu em 2010 e, a cada dia, está sendo mais abraçada por editoras e autores.


Mas afinal, o que é um alerta de gatilho (trigger warning)?

Esses avisos indicam a presença de temas sensíveis em uma obra, como violência, abuso, luto, automutilação ou outros tópicos que podem causar desconforto emocional ou psicológico em alguns leitores.

E não, não são censura, como alguns autores e até mesmo criadores de conteúdo literário às vezes afirmam. Esses alertas são apenas uma forma de respeito que o autor ou a editora tem para com o leitor, permitindo que esse leitor decida se está emocionalmente preparado para lidar com aquele conteúdo.


Vou trazer um exemplo pessoal: depois que minha mãe faleceu em 2010, vítima de câncer, toda a experiência de vê-la definhar deixou sequelas emocionais em mim. Desde então, simplesmente não consigo assistir e nem mesmo ler livros que tratam de doenças terminais ou câncer. Porque, automaticamente, sou levada novamente para 2010 e para a dor que eu senti naquela época. Apesar de ter esse cuidado, certa vez, comprei um livro onde não mencionava nada sobre essas temáticas que eu tento evitar, e lembro perfeitamente de chegar na metade do romance, completamente empolgada, e a mocinha ficar doente. Foi um balde de água fria, na mesma hora fechei o livro. Até tentei continuar, mas simplesmente não consegui. Minha mente travou, lembranças dolorosas me invadiram e abandonei a leitura.


Talvez, se na época, quando comprei esse livro, tivesse algum aviso, seja na sinopse ou como atualmente muitos autores fazem — alguns colocam antes do sumário, outros colocam uma nota no prefácio ou até mesmo na nota do autor. Um simples aviso como: "Este livro aborda questões relacionadas a doenças graves e perda, que podem ser sensíveis para alguns leitores", provavelmente eu não teria abandonado, porque eu teria me preparado emocionalmente, como faço quando preciso analisar algum livro.


Como podem ver, através desse meu relato, esses avisos são uma forma de empatia, de respeitar a dor do outro. É permitir que o leitor tome a decisão de saber se ele realmente se sente bem em embarcar naquela leitura e também uma forma de prepará-lo.


E é importante frisar aqui que, para alguns leitores, a literatura é um espaço de fuga da realidade, assim como também pode ser um espaço de cura. Durante a pandemia, a leitura me ajudou muito nos momentos em que a depressão falou mais alto. Me entreguei aos romances românticos, aos clichês, às fantasias e até mesmo ao livro "Cosmos", de Carl Sagan. É nesses momentos que os avisos de gatilho atuam como um filtro, ajudando o leitor a escolher suas leituras de forma consciente e evitando experiências negativas que podem reativar traumas ou desencadear reações intensas.


Alerta de Gatilho Limita a Criatividade?


Aqui, transformei essa frase em pergunta, mas, na realidade, ela foi uma afirmação de uma autora em uma discussão que ocorreu no final do ano passado no Threads, sobre esse tema. No entanto, precisamos desmistificar essa questão. É importante que os autores comecem a compreender que os alertas de gatilho não têm a intenção de podar a arte, mas sim de contextualizá-la. Um aviso no início do livro ou na sinopse não muda o conteúdo, não dá spoiler, é apenas, na minha opinião, um ato de cuidado que o autor tem com seus leitores. Afinal, um autor que respeita seus leitores tende a construir uma relação de confiança com eles. Eu mesma tenho minha lista de autores em quem confio de olhos fechados.


Como autor, sou obrigado a inserir um alerta de gatilho?


Não, não existe uma lei brasileira que obrigue o autor a incluir um alerta de gatilho. É mais uma prática que está se tornando uma recomendação ética no mercado editorial, principalmente em prol da saúde mental dos leitores.


Os alertas de gatilho realmente protegem os leitores de conteúdos sensíveis? Existem pesquisas sérias sobre isso?


Existem estudos que questionam a eficácia dessa prática. Embora os avisos de gatilho sejam amplamente utilizados para criar um ambiente mais seguro, pesquisas indicam que, na verdade, eles podem não proteger os leitores de conteúdos sensíveis e até aumentar a ansiedade sobre o que será abordado (NEXO JORNAL, 2019). Segundo o estudo, a prática pode até gerar um efeito adverso, aumentando a ansiedade e a expectativa de que o conteúdo será perturbador, o que pode ter o efeito contrário ao desejado. O estudo sugere que, em vez de evitar o conteúdo em si, seria mais eficaz promover discussões abertas sobre saúde mental e estratégias de enfrentamento. Assim, embora os avisos possam ser úteis para algumas pessoas, eles não garantem a proteção emocional que muitos acreditam.


Porém, não existe uma resposta definitiva, e a aplicação dos avisos de gatilho continua sendo um assunto de debate. E é por isso que trago esse assunto para o blog: para que os autores que não conhecem o assunto comecem a se familiarizar com ele.


Eu, como leitora crítica

Como leitora crítica, sempre analiso a necessidade de avisos de gatilho nos textos que avalio. Observar a presença de temas sensíveis, como eles são abordados e se há contexto para se criar um alerta de gatilho, é uma das responsabilidades que levo a sério. Faço esses apontamentos, informo o autor quando encontro gatilhos e aviso da importância de incluir um aviso, mas a decisão final é sempre do autor.


Quero incluir avisos de gatilho. Onde e como devo colocar?


O aviso pode ser colocado no início do livro, antes do sumário, ou mesmo antes da dedicatória, garantindo que o leitor veja a mensagem antes de começar a leitura. Também pode ser colocado na nota do autor, antes do sumário, na sinopse ou, em plataformas digitais ou sites, pode ser incluso na descrição da obra.

Exemplo:

"Este livro contém cenas de violência, abuso emocional e morte. Por favor, leia com cautela."


Quais gatilhos precisam de aviso?


A lista pode ser extensa, porque muitas vezes o que é gatilho para uma pessoa pode não ser para outra, mas existem alguns que são mais universais. Aqui estão alguns dos gatilhos mais comuns que podem necessitar de um aviso para que os leitores possam se preparar adequadamente para o conteúdo da obra:

  • Violência Física: Agressões, tortura, cenas de guerra, brigas violentas.
  • Violência Sexual: Abuso sexual, estupro, assédio e exploração.
  • Abuso Psicológico/Emocional: Manipulação, humilhação, insultos, controle psicológico.
  • Morte de Personagens: Morte de personagens principais ou queridos, suicídio, mortes traumáticas.
  • Suicídio: Descrição explícita ou indireta de suicídio ou tentativas de suicídio.
  • Doenças Graves: Câncer, doenças terminais, doenças mentais.
  • Transtornos Alimentares: Anorexia, bulimia, compulsão alimentar.
  • Discriminação e Preconceito: Racismo, homofobia, misoginia, xenofobia e outros tipos de intolerância.
  • Psicopatologia: Transtornos mentais graves, como psicose, esquizofrenia ou transtornos de personalidade.
  • Cenas de Tortura: Tortura física ou psicológica explícita.
  • Cenas de Terror Psicológico: Paranoia, claustrofobia extrema, distúrbios psicológico

Lembrando que essa é apenas uma lista dos temas mais frequentemente abordados em livros.


Modelos de avisos de gatilhos


  • Aviso de Gatilho para Violência: Este livro contém cenas gráficas de violência física e psicológica. Se você foi impactado por esses temas, considere interromper a leitura.
  • Aviso de Gatilho para Abuso: Este livro contém descrições de abuso sexual, emocional e psicológico. Se você é sensível a esses temas, sugerimos cautela ao prosseguir.
  • Aviso de Gatilho para Suicídio: Este livro aborda o tema do suicídio e tentativas de suicídio. Se você foi afetado por esses tópicos, recomendamos que você se prepare ou procure apoio antes de continuar.
  • Aviso de Gatilho para Doenças Graves: O enredo aborda doenças graves e seus efeitos emocionais e físicos. Se você foi afetado por esses tópicos, sugerimos cautela.
  • Aviso de Gatilho para Desastres e Catástrofes: O livro inclui cenas de desastres naturais, acidentes fatais e situações extremas de caos. Leitores sensíveis a esses eventos podem querer interromper a leitura.
  • Aviso de Gatilho para Discriminação: Este livro contém representações de discriminação racial, homofóbica e outros tipos de intolerância que podem ser desconfortáveis para alguns leitores.


E, para concluir...


Espero que este texto tenha ajudado a esclarecer um pouco mais sobre os alertas de gatilho, a importância deles e como você, autor ou leitor, pode usá-los de maneira mais eficaz. Lembre-se, não se trata de censura, mas de empatia e cuidado com aqueles que podem ser mais vulneráveis a certos temas. A literatura é uma ferramenta poderosa de transformação e é fundamental que ela seja inclusiva e respeitosa com as vivências de todos.



Bibliografia

BUZZFEED NEWS. Trigger Warnings: A Short History. 2014. Disponível em: https://www.buzzfeednews.com. Acesso em: 23 jan. 2025.

NEXO JORNAL. Trigger Warnings: Será que Eles Realmente Ajudam os Leitores? 2019. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br. Acesso em: 23 jan. 2025.




Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.